Tratar do tema “música cristã” no Brasil de nossos dias se constitui para mim em um grande prazer, ao mesmo tempo que num imenso desafio. Prazer, por ser uma pessoa envolvida já há mais de quinze anos com um ministério musical entre os jovens brasileiros, participando dessa revolução em sua linguagem e forma; desafio, pois, considerando o momento em que passa a Igreja no país, qualquer colocação impensada pode se tornar em algo perigoso e precipitado.
De um tempo para cá, percebo um enorme crescimento musical no contexto da igreja brasileira com o surgimento de grupos, cantores, gravadoras, distribuidores, estúdios, e tudo o mais, fazendo com que esse “boom” repercuta nos meios de comunicação até então fechados ao Evangelho. Quem um dia imaginaria cantores e grupos evangélicos sendo entrevistados em programas de talk show, ou se apresentando em programas de boa audiência na TV? Não parece um sonho?
Nessa minha caminhada, às vezes fico como quem sonha. No passado éramos poucos, mas extremamente ousados, pregando em rabeiras de caminhão, cantando sem amplificação nenhuma, ao ar livre. Muita disposição, pouco recurso. Hoje temos o reconhecimento como segmento da música brasileira. Temos acesso à mais alta tecnologia e recursos disponíveis a serviço da música. Instrumentos e equipamentos de última geração estão nas mãos de alguns cristãos considerados hoje como instrumentistas de alto gabarito pela crítica musical. Isso tudo aconteceu num espaço de tempo relativamente curto.
Numa visão rápida da história, percebo que em meados da década de 70 surgiu no Brasil um movimento, talvez nem tanto intencional, mas natural, que buscava cultuar a Deus com sua identidade nacional. Gente que percebeu que poderia cantar louvores a Deus com ritmos nacionais, com o jeito brasileiro de ser. Vale a pena lembrar que até então tínhamos acesso apenas aos hinos trazidos pelos missionários americanos e europeus, e algumas poucas canções jovens traduzidas para o português. Vencedores Por Cristo deu início a uma revolução que transformou o Brasil quando, no final da década de 70, gravou o LP “De Vento em Popa”, inovando a música cristã. Foi o princípio de um grande movimento.
Desde então a grande ênfase foi a busca de uma música contextualizada, e para tal muitos se empenharam. Uma música moderna, bem produzida, preocupada em atingir o homem brasileiro em seu contexto. Logicamente, essa contextualização às vezes não conseguiu atingir o ponto ideal. Contextualizou-se a forma, o ritmo, mas o conteúdo, a poesia, permaneceu estanque. Porém, foi um enorme avanço para a Igreja que desejava se encarnar no solo brasileiro.
Pela primeira vez a Igreja ouvia samba, baião e outros ritmos da terra anunciando o Evangelho. Para muitos, foi um desrespeito às tradições, um ato de profanação do sagrado. Para outros, uma alegria de amar a Jesus e de ser Brasil.
O tempo passou e com ele veio o início de uma nova fase. Nessa nova etapa, música contextualizada já não era sinônimo de música brasileira, mas de música contemporânea, embalada pela globalização. O tempo passou e a mídia falou mais alto, impondo jeitos e formas a reboque dos novos tempos.
Se antes surgiam grupos e mais grupos preocupados com a expressão cultural de seu povo, agora eles eram desfeitos e transformados em iguais. Explico. Tive a oportunidade de percorrer algumas regiões brasileiras e conhecer gente que produzia música cristã brasileira, trazendo identidade e luz à nossa nação. Porém, com o acesso à mídia, esta característica foi mudada. Falo do poder informativo e às vezes devastador da mídia eletrônica que vai igualando, patrolando, nivelando, como um rolo compressor ou coisa que o valha, descartando tudo o que é diferente do seu interesse. Isso é o efeito da globalização sob o mundo moderno (ou pós-moderno).
Os alvos daqueles que produziam música cristã foram mudados. Agora, o lance era produzir o que vendia, ou melhor, o que o mercado impunha. Abandonamos os projetos iniciais e atendemos aos apelos da mídia. Dizia-se que a bola da vez era música “X”, lá íamos nós. Se era a vez da música “Y”, nos travestíamos para vender. Com isso descaracterizamos toda a luta inicial.
Não é meu interesse discutir aqui se é válido ou não abraçarmos esse processo. Porém, creio ser de vital importância avaliarmos o empenho daqueles pioneiros que abriram campo para a música contextualizada e retomarmos alguns aspectos importantes que o novo momento tem ofuscado.
Em primeiro lugar, vejo a necessidade de reagirmos contra a imposição da mídia de ditar modismos. Vários foram os grupos que no correr dos anos deixaram-se levar pelo apelo do fácil: fácil vendagem, fácil sucesso e, infelizmente, fácil evangelho. Como igreja, precisamos abraçar toda expressão artística que visa tão somente glorificar o nome Santo do Senhor. Há espaço para todos os estilos, gostos e formas. E nessa diversidade percebemos a criatividade de Deus, através da expressão de adoração do Seu povo. Sem essa de reunir apenas os iguais. Devemos respeitar os diferentes e reconhecermos sua importância.
Em segundo lugar, é preciso empreender esforços no sentido de resgatar a cultura brasileira e conseqüentemente as suas expressões culturais. Enquanto a música brasileira é elogiada em todos os continentes do planeta, a igreja brasileira descarta sua originalidade e assume o mesmo papel de outros tempos – valoriza apenas o que vem de fora. É preciso abrir espaço para os ritmos nacionais, para os instrumentos musicais autóctones, e deixar de achar que tudo o que é produzido aqui é provinciano. Se o rock é legal (e eu também acho), também posso curtir o xaxado, ou a catira, expressões tão nossas.
Por último, lembrarmos da luta de tantos que já se foram e outros tantos que ainda estão aí, comprometidos com o Reino de Deus em primeiro lugar, compromisso esse acima, inclusive, da própria música. Pregar o Evangelho se torna mais urgente e necessário que fazer canções para um mercado chamado gospel. Mais importante que produzir, é produzir com responsabilidade. Mais importante que lançar um trabalho musicalmente perfeito, é não tirar ou deturpar o perfeito Evangelho. Música contextualizada implica em responsabilidade, pois contextualização pode facilmente se tornar em sincretismo. Enquanto num o conteúdo (o Evangelho) é inegociável, noutro relativiza-se a Verdade em função da sua aceitabilidade. É impossível servir a dois senhores: ou servimos o Deus verdadeiro ou servimos ao deus Mamom.
Se hoje temos a oportunidade de colher o que outros semearam na história da igreja evangélica brasileira e sua expressão musical, devemos fazê-la com gratidão ao Senhor. Cabe a nós prosseguirmos nos sonhos e crer que essa “louca canção” (I Co 1.21), que o mundo não consegue compreender, carrega o poder da transformação. Com fidelidade ao Senhor e à Sua Palavra, acreditamos por fé que estamos semeando a Eternidade num mundo onde jaz a desesperança. Desejamos fazer uma música que aponte para Deus. Um som revolucionário, um som do céu.
Mas, será que todo o esforço de grupos como Jovens da Verdade, Vencedores Por Cristo e tantos outros, pioneiros da música cristã brasileira, tem sido compreendido pela nova geração de músicos? Será que os ideais de tantos sonhadores como Jaziel Botelho (Jovens da Verdade), Janires Manso (Rebanhão e Banda Azul), Nelson Pinto Júnior (MILAD e Vencedores Por Cristo), Paulo César (Grupo Elo e Logos), Jairo Trench (Elo), Guilherme Kerr, Sérgio Pimenta, Nelson Bomilcar, Asaph Borba, tem sido assimilado pela turma de hoje? Faz bem à nossa consciência olharmos para a história e nos situarmos nesse contexto.
Carlinhos Veiga é músico, pastor e coordenador do Departamento de Comunicação da MPC do Brasil
Entrevista extraída da “Revista Soma” em Janeiro de 2006
De um tempo para cá, percebo um enorme crescimento musical no contexto da igreja brasileira com o surgimento de grupos, cantores, gravadoras, distribuidores, estúdios, e tudo o mais, fazendo com que esse “boom” repercuta nos meios de comunicação até então fechados ao Evangelho. Quem um dia imaginaria cantores e grupos evangélicos sendo entrevistados em programas de talk show, ou se apresentando em programas de boa audiência na TV? Não parece um sonho?
Nessa minha caminhada, às vezes fico como quem sonha. No passado éramos poucos, mas extremamente ousados, pregando em rabeiras de caminhão, cantando sem amplificação nenhuma, ao ar livre. Muita disposição, pouco recurso. Hoje temos o reconhecimento como segmento da música brasileira. Temos acesso à mais alta tecnologia e recursos disponíveis a serviço da música. Instrumentos e equipamentos de última geração estão nas mãos de alguns cristãos considerados hoje como instrumentistas de alto gabarito pela crítica musical. Isso tudo aconteceu num espaço de tempo relativamente curto.
Numa visão rápida da história, percebo que em meados da década de 70 surgiu no Brasil um movimento, talvez nem tanto intencional, mas natural, que buscava cultuar a Deus com sua identidade nacional. Gente que percebeu que poderia cantar louvores a Deus com ritmos nacionais, com o jeito brasileiro de ser. Vale a pena lembrar que até então tínhamos acesso apenas aos hinos trazidos pelos missionários americanos e europeus, e algumas poucas canções jovens traduzidas para o português. Vencedores Por Cristo deu início a uma revolução que transformou o Brasil quando, no final da década de 70, gravou o LP “De Vento em Popa”, inovando a música cristã. Foi o princípio de um grande movimento.
Desde então a grande ênfase foi a busca de uma música contextualizada, e para tal muitos se empenharam. Uma música moderna, bem produzida, preocupada em atingir o homem brasileiro em seu contexto. Logicamente, essa contextualização às vezes não conseguiu atingir o ponto ideal. Contextualizou-se a forma, o ritmo, mas o conteúdo, a poesia, permaneceu estanque. Porém, foi um enorme avanço para a Igreja que desejava se encarnar no solo brasileiro.
Pela primeira vez a Igreja ouvia samba, baião e outros ritmos da terra anunciando o Evangelho. Para muitos, foi um desrespeito às tradições, um ato de profanação do sagrado. Para outros, uma alegria de amar a Jesus e de ser Brasil.
O tempo passou e com ele veio o início de uma nova fase. Nessa nova etapa, música contextualizada já não era sinônimo de música brasileira, mas de música contemporânea, embalada pela globalização. O tempo passou e a mídia falou mais alto, impondo jeitos e formas a reboque dos novos tempos.
Se antes surgiam grupos e mais grupos preocupados com a expressão cultural de seu povo, agora eles eram desfeitos e transformados em iguais. Explico. Tive a oportunidade de percorrer algumas regiões brasileiras e conhecer gente que produzia música cristã brasileira, trazendo identidade e luz à nossa nação. Porém, com o acesso à mídia, esta característica foi mudada. Falo do poder informativo e às vezes devastador da mídia eletrônica que vai igualando, patrolando, nivelando, como um rolo compressor ou coisa que o valha, descartando tudo o que é diferente do seu interesse. Isso é o efeito da globalização sob o mundo moderno (ou pós-moderno).
Os alvos daqueles que produziam música cristã foram mudados. Agora, o lance era produzir o que vendia, ou melhor, o que o mercado impunha. Abandonamos os projetos iniciais e atendemos aos apelos da mídia. Dizia-se que a bola da vez era música “X”, lá íamos nós. Se era a vez da música “Y”, nos travestíamos para vender. Com isso descaracterizamos toda a luta inicial.
Não é meu interesse discutir aqui se é válido ou não abraçarmos esse processo. Porém, creio ser de vital importância avaliarmos o empenho daqueles pioneiros que abriram campo para a música contextualizada e retomarmos alguns aspectos importantes que o novo momento tem ofuscado.
Em primeiro lugar, vejo a necessidade de reagirmos contra a imposição da mídia de ditar modismos. Vários foram os grupos que no correr dos anos deixaram-se levar pelo apelo do fácil: fácil vendagem, fácil sucesso e, infelizmente, fácil evangelho. Como igreja, precisamos abraçar toda expressão artística que visa tão somente glorificar o nome Santo do Senhor. Há espaço para todos os estilos, gostos e formas. E nessa diversidade percebemos a criatividade de Deus, através da expressão de adoração do Seu povo. Sem essa de reunir apenas os iguais. Devemos respeitar os diferentes e reconhecermos sua importância.
Em segundo lugar, é preciso empreender esforços no sentido de resgatar a cultura brasileira e conseqüentemente as suas expressões culturais. Enquanto a música brasileira é elogiada em todos os continentes do planeta, a igreja brasileira descarta sua originalidade e assume o mesmo papel de outros tempos – valoriza apenas o que vem de fora. É preciso abrir espaço para os ritmos nacionais, para os instrumentos musicais autóctones, e deixar de achar que tudo o que é produzido aqui é provinciano. Se o rock é legal (e eu também acho), também posso curtir o xaxado, ou a catira, expressões tão nossas.
Por último, lembrarmos da luta de tantos que já se foram e outros tantos que ainda estão aí, comprometidos com o Reino de Deus em primeiro lugar, compromisso esse acima, inclusive, da própria música. Pregar o Evangelho se torna mais urgente e necessário que fazer canções para um mercado chamado gospel. Mais importante que produzir, é produzir com responsabilidade. Mais importante que lançar um trabalho musicalmente perfeito, é não tirar ou deturpar o perfeito Evangelho. Música contextualizada implica em responsabilidade, pois contextualização pode facilmente se tornar em sincretismo. Enquanto num o conteúdo (o Evangelho) é inegociável, noutro relativiza-se a Verdade em função da sua aceitabilidade. É impossível servir a dois senhores: ou servimos o Deus verdadeiro ou servimos ao deus Mamom.
Se hoje temos a oportunidade de colher o que outros semearam na história da igreja evangélica brasileira e sua expressão musical, devemos fazê-la com gratidão ao Senhor. Cabe a nós prosseguirmos nos sonhos e crer que essa “louca canção” (I Co 1.21), que o mundo não consegue compreender, carrega o poder da transformação. Com fidelidade ao Senhor e à Sua Palavra, acreditamos por fé que estamos semeando a Eternidade num mundo onde jaz a desesperança. Desejamos fazer uma música que aponte para Deus. Um som revolucionário, um som do céu.
Mas, será que todo o esforço de grupos como Jovens da Verdade, Vencedores Por Cristo e tantos outros, pioneiros da música cristã brasileira, tem sido compreendido pela nova geração de músicos? Será que os ideais de tantos sonhadores como Jaziel Botelho (Jovens da Verdade), Janires Manso (Rebanhão e Banda Azul), Nelson Pinto Júnior (MILAD e Vencedores Por Cristo), Paulo César (Grupo Elo e Logos), Jairo Trench (Elo), Guilherme Kerr, Sérgio Pimenta, Nelson Bomilcar, Asaph Borba, tem sido assimilado pela turma de hoje? Faz bem à nossa consciência olharmos para a história e nos situarmos nesse contexto.
Carlinhos Veiga é músico, pastor e coordenador do Departamento de Comunicação da MPC do Brasil
Entrevista extraída da “Revista Soma” em Janeiro de 2006
Postado por MC3 NA PAUTA.